quinta-feira, 18 de outubro de 2012,
às 14h47
A educação pública
sempre foi objeto de debate entre intelectuais, jornalistas,
psicólogos, economistas e profissionais de outras áreas, mas não
mobilizava professores e pesquisadores da educação com a mesma
intensidade.
Desde 2007, o
projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil 1822/2022 procura
inverter essa lógica ao envolver os especialistas na discussão das
grandes questões educacionais. Mais uma iniciativa nesse sentido é
o lançamento, na semana que vem, de sete livros que abordam a
história da educação pública no país.
Apesar da visão de
senso comum de que a educação pública no Brasil caminha a passos
lentos, os professores Luciano Mendes de Faria Filho e Tarcísio
Mauro Vago, coordenadores do projeto, afirmam que, nos últimos 50
anos, a área registrou uma expansão sem precedentes na história do
país.
"Nesse período,
colocamos todas as crianças na escola", lembra o professor
Luciano Mendes, da Faculdade de Educação, na entrevista abaixo
concedida ao Portal da UFMG junto com o professor Tarcísio Vago,
vinculado à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional.
Como surgiu o
projeto “Pensar a Educação Pensar o Brasil 1822/2022”?
Luciano Mendes:
A ideia do projeto surgiu porque percebemos a necessidade de que
todos debatessem o tema de educação no Brasil. Teóricos e
intelectuais de diferentes áreas sempre discutiram a educação
pública, mas os próprios professores e pesquisadores da educação,
que têm muito a dizer, estavam sendo pouco mobilizados nesta
discussão, o que fazia com que o debate fosse guiado por
jornalistas, economistas, psicólogos, artistas e outras pessoas com
menor envolvimento e conhecimento da área.
O projeto teve
início em 2007 e com ele criamos alternativas para ampliar o debate
em torno da educação pública, com ações que dessem mais
protagonismo e visibilidade aos professores. Assim, desde então,
temos um programa na Rádio UFMG Educativa, realizamos a cada ano um
seminário com oito conferências sobre educação, já lançamos 20
livros, mantemos um portal na internet e desenvolvemos pesquisas com
estudantes de graduação e de pós-graduação dedicadas à história
da educação brasileira.
Como a educação
evoluiu nos últimos 50 anos no Brasil?
Luciano Mendes:
foi uma expansão diferente da do resto do mundo. Aqui, a partir da
segunda metade do século 20, ocorreu um boom
no acesso à educação. Em quatro décadas, a área de educação
cresceu muito mais do que havia crescido nos séculos passados. Na
primeira metade do século XX, tínhamos menos de 50% das crianças
estudando. Em quarenta anos, colocamos todas as crianças na escola,
com um crescimento da rede escolar e do número de professores.
E o que aconteceu na
sociedade brasileira para que a educação pública expandisse tão
rapidamente? Temos que nos lembrar dos componentes políticos e
culturais envolvidos. Foi nesse período que a classe média abdicou
do direito à educação pública e migrou para a educação privada.
A camada economicamente mais baixa passou a ter acesso a essa
educação pública e esse foi um dos motivos do afastamento da
classe média. O atual debate das cotas, por exemplo, tem raiz nesse
processo de expansão da educação brasileira.
Tarcísio Mauro:
num primeiro momento, a educação no Brasil aparece quase como uma
marca de distinção social para uma elite que, quando não tinha
oportunidades de educação no país, mandava os filhos para o
exterior. Com a educação se expandindo e contemplando uma classe
social até então alijada da escola, a classe média, que não
queria “se misturar”, procurou outra saída – as escolas
particulares. E a classe média abriu mão não só da educação
pública, mas da saúde e do transporte públicos. Sua proposta de
sociedade queria a marca da distinção, não a da igualdade.
Com essa evolução
educacional tardia e divergente do resto do mundo, como o Brasil
conseguirá recuperar o tempo perdido?
Tarcísio:
há muitas conquistas da educação brasileira a destacar. Um dos
primeiros destaques que devemos lembrar é o piso nacional para os
professores de educação básica por meio de uma lei, aprovada no
Congresso Nacional. A ideia do piso, muito mais que o valor em si, é
representativa da necessidade de valorização crescente dos
professores.
Luciano:
posso citar outras três conquistas da nossa educação ao longo dos
anos. A primeira é o fato de que conseguimos colocar todas as
crianças na escola no início do século XXI. A segunda é o
fortalecimento da ideia de que, mais importante do que colocar as
crianças nas escolas, é mantê-las. As políticas contra a evasão
mostraram muito resultado. A terceira conquista refere-se à questão
da qualidade da educação. Hoje, há a consciência de que, além de
entrar e permanecer na escola, as crianças devem ter ensino de
qualidade. Na escola, além do conhecimento das áreas, aprende-se
também a convivência, o respeito mútuo.
A escola não pode
só preparar para o vestibular – se for só isso a experiência
fica empobrecida. Na rede privada temos observado um fenômeno de
desvalorização da escola como lugar de aprendizagem social,
cultural. Mas é preciso insistir e avançar nesta compreensão da
escola como um tempo decisivo e precioso de formação para a vida.
Tarcísio:
outro ponto a ser destacado é o crescimento do equilíbrio na
divisão de responsabilidades, com relação à entrada e permanência
dos alunos. A responsabilidade não é só mais do aluno ou de sua
família. Hoje, há uma exigência social de que o governo precisa
ser também responsabilizado pela criação de políticas que ajudem
a conter a evasão.
Apesar de todas
as melhorias educacionais das últimas décadas, as pessoas têm a
sensação de que a educação brasileira ainda evolui a passos
lentos. Por que isso acontece?
Luciano:
as pessoas que falam que as escolas da década de 1950 eram melhores
que as de hoje esquecem que, nessa época, 90% das crianças não iam
à escola. Hoje, o material didático é muito melhor do que no
passado. Mas nós estamos ainda com grandes problemas para fazer um
ensino de qualidade à altura do que nossas crianças e jovens
merecem. Talvez por isso as pessoas achem que a educação não
evolui no país.
Tarcísio:
a questão é que para melhorar mais rapidamente, e permanentemente,
a qualidade da educação, muitas mudanças precisam acontecer. O
professor, por exemplo, precisa ser valorizado de fato, e não apenas
no plano do discurso oficial. Hoje há déficit de docentes em várias
áreas, pois as condições da carreira docente não são atraentes.
Ele precisa ganhar bem, ter um regime de dedicação exclusiva, com
tempo para se dedicar aos estudos, ao planejamento e ao encontro com
os colegas para troca de experiências.
Já temos muitas
escolas públicas de qualidade – o desafio é ampliar essa
estatística. O melhor resultado do Enem em Minas Gerais em 2011 foi
de uma escola pública. É possível melhorar a educação básica,
que vai do infantil ao ensino médio. Mas, para isso, muita coisa
precisa acontecer antes. Por exemplo, pressionar o Congresso Nacional
a aprovar a destinação de 10% do PIB para a educação, e que o
Governo Federal sancione esta Lei. Será um passo importante.
A educação é,
de fato, a área mais importante para o desenvolvimento do país?
Tarcísio:
certamente, uma educação de qualidade é decisiva para o país, um
direito fundamental da cidadania. Por outro lado, nós ouvimos muito
esse discurso da educação como o pilar do crescimento do país,
como a solução para todos os nossos males sociais. Mas, por que
apostar todas as fichas só na educação? E as políticas de
cultura, de lazer, de saúde, de trabalho, de segurança, que são
também essenciais? A escola passa a assumir responsabilidades muito
além de sua função essencial. A família coloca o filho na escola
porque lá ele terá alimentação, segurança etc. É preciso não
perder de vista que a escola já tem uma enorme responsabilidade
social na formação das pessoas, que é a de garantir o direito ao
conhecimento, de mediar o acesso às culturas.
Luciano:
a educação é apenas um dos pilares do crescimento. A melhor
política educacional dos últimos governos foi a elevação do
salário mínimo e da distribuição de renda. Isso permitiu que
muitas crianças não trabalhassem e pudessem ir à escola. A
política educacional pública só é importante no conjunto das
outras políticas. Ela não funciona sozinha. (Luana Macieira)
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